Paulo foi anjo para Ivete e esperança de crianças com doença raras
Em um lugar improvisado, Ivete Krewer quebra a rotina para receber a reportagem.
Em um lugar improvisado, Ivete Krewer quebra a rotina para receber a reportagem. O assunto é uma ferida que nunca cicatrizou, mas com a qual ela aprendeu a conviver: a partida precoce do filho de 9 anos, Paulo Ricardo. Para ela, um eterno boneco de porcelana e o anjo que esteve na Terra para mostrar como salvar outras crianças da doença que o levou, a Lipofuscinose Ceróide Neuronal, também conhecida como doença de Batten. A luta de Ivete virou livro, que, anos depois, cumpriria a promessa que fez ao filho: ajudar outros pais. O ano era 2000, e, na época, a ciência conhecia pouco sobre essa condição neurodegenerativa. Hoje, os médicos já sabem que existem 14 tipos de manifestações da doença. A família morava em Cascavel, no Paraná. Ivete só chegaria a Campo Grande anos depois. Os primeiros sinais de que algo estava errado com Paulinho apareceram quando ele tinha quase 4 anos. Antes disso, ele corria, brincava na fazenda e trazia galinhas para a mãe. Na escola, a professora alertou que ele estava caindo demais, e os pais decidiram investigar o motivo. "Ela [a doença] é muito rápida e cruel. Meu filho era normal até então. Ele voltou a fazer xixi na roupa, coisa que não fazia desde quando tinha um aninho. Fomos a um neuropediatra, e ele disse que nos exames normais não aparecia nada. Então, fomos a São Paulo atrás de um especialista. Lá, o doutor avaliou e disse que havia três hipóteses; a terceira era irreversível. Fizemos exame de eletrorretinografia para ver. Foi complicado porque ele era hiperativo, e criança não entende." O diagnóstico foi um soco no estômago de Ivete. Não havia nada que ela ou os médicos pudessem fazer para salvar a criança. A única coisa possível era dar a Paulinho qualidade de vida. "No primeiro momento eu estava no 16º andar e pensei em desistir, não via motivo de continuar sem ele. Eu queria me levantar e me jogar, mas algo me segurou", conta. Desesperada, ela procurou a opinião de outro profissional que constatou a doença e acrescentou que ela já estava degenerando o cérebro do menino. "A cada dia vimos ele perder aos poucos os movimentos. Eu lutei até o último minuto. Foi cruel porque quanto mais a gente bateu nas portas elas não se abriram, o governo não ajudou. Era muito raro a doença. Eu tenho certeza que se não fosse Deus eu não teria conseguido". A vida seguiu do jeito que dava e da maneira que Ivete conseguiu levar com o auxílio da família e amigos. Mas o lado pessoal ficou em segundo plano. 'Crocheteira' desde a adolescência, ela passava os dias fazendo peças para médicos e enfermeiras no hospital. Aliás, estar no local foi um momento, além da situação com o filho, de adversidades pessoais. Ivete suspira ao lembrar do filho. A morte de Paulinho aconteceu na madrugada. Ele tinha 9 anos. Durante alguns dias ele esteve fraco e com os batimentos cardíacos baixos. Em 28 de Novembro de 2006, médicos cochicharam à equipe que "a velinha estava apagando". A frase foi suficiente para que Ivete entendesse o recado sutil. O coração do filho estava parando. "Os batimentos dele estavam em 40bpm. Me mandaram embora de noite. Eu tinha ficado sete dias seguidos lá. A médica falava que ele já não estava me ouvindo, mas quando eu chegava e falava "mamãe chegou" ele erguia a sobrancelha, Era assim que ele falava comigo. Fui pra casa e me ligaram às 5h. Fui correndo. Ele já estava sem vida. Eu pedi para pegar ele no colo uma última vez e pedi para ele cuidar de mim". Ivete deu um último adeus ao filho, mas continuou indo até o hospital na esperança de encontrar ele. O cemitério também foi cenário da tentativa de vê-lo vivo. "A despedida dele parece que foi ontem. A doença compromete só a aparência neurológica mesmo, o corpo estava lá. Eu tive todos os motivos para desistir. Precisei tomar remédio. Eu chegava no hospital, via o quarto vazio, ia até o cemitério. A gente era muito grudado". Apesar da dor, Ivete até pensou em ter outros filhos anos depois, mas foi alertada pelos médicos de que a chance do segundo nascer com a doença era alta, 50%. "É muito triste não ter certeza de onde vem isso. Pra mim a chance era muito alta. Não tive oportunidade de ter outra criança. Não quero colocar uma no mundo para ter o mesmo problema. Falaram que é malformação, até agora não sei. Sinto saudade dele. Eu ficaria com ele de qualquer jeito, queria que ele fosse para sempre". Um anjo na terra A história de Paulinho foi contada no livro 'Um anjo na terra', escrito por Ivete. Durante anos ela registrou o dia a dia do filho e todo processo da doença, desde o momento que descobriu, sintomas até a morte da criança. O conteúdo foi base de estudos sobre a neuropatologia. A ideia de reunir os relatos em um livro foi de uma das médicas de Paulinho. Na época, ela queria que Ivete vendesse o material, mas a mãe disse que ela mesmo faria um livro. Após a morte do garoto, ela se isolou na fazenda da família no interior de Cascavel para escrever. "Fui pra lá e fiz, escrevi todos os dias durante um mês. Não tinha nada sobre a doença nos anos 2000. Escrevi quando achei que era a hora. Queria ajudar outros pais. Prometi para o Paulinho que o mundo conheceria a história dele. Não me arrependo, tudo o que eu fiz eu faria hoje e talvez melhor. Deito a cabeça no travesseiro e morro de saudade. Detalhista, ela explica que nunca cuidou de ninguém como precisou cuidar do filho e que mesmo não sendo enfermeira ela precisou saber de muita coisa que não dominava. "Tudo o que me falavam para fazer eu fazia. Aspiração, oxigênio, sonda. Eu observava tudo o que faziam nele. Relatava tudo. Eu era uma leoa. Eu lutei e ele lutou. Ele era muito educado, inteligente e parecia um anjo". Após escrever o livro, Ivete não quis mais saber mais do assunto. Vivia um luto eterno. Porém a história mudou quando conheceu o caso da pequena Júlia Pontes Teixeira Domingues, de apenas 4 anos, nas redes sociais ela é conhecida como Julinha. A menina luta contra a mesma doença de Paulinho. A Mãe, Fernanda Pontes fez contato com Ivete para saber mais da doença. O passado votou à tona. Para tentar salvar a filha ela fez uma vakinha virtual. A meta é atingir R$18 milhões. O valor exorbitante é necessário para o tratamento experimental desenvolvido na Califórnia. Como no caso de Ivete, ela explica como os sintomas aparecem na filha. "É o pior dos diagnósticos. A gente observou em 2024 que Júlia estava perdendo habilidades que ela tinha adquirido. Ele se desequilibrou quando estava parada, tinha dificuldade de subir escadas e colocava a mão no chão. Ela começou a falar mais embolado e por ninguém entender parou de se comunicar. Ela perdeu o controle de xixi e cocô e começou a babar. No final do ano fizemos exames para detectar doenças raras e recebemos o diagnóstico. O que ouvimos dos médicos era continuar com as terapias e dar muito amor. Ela vai perdendo tudo até entrar em estado vegetativo". Para saber mais da história da Julinha e contribuir com o tratamento acesse esse link . Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial , Facebook e Twitter . Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui) . Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News .
Fonte: Campo grande News