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O brasileiro e o gosto pelo mais ou menos

Quem é o Homo brasiliensis? Esta pergunta, que é objeto central de interesse da política e dos negócios, merece uma reflexão diferente da que fazem os pesquisadores, que concentram sua atenção sobre aspectos de sexo, idade, renda e classe social.


Foto: O TEMPO
Quem é o Homo brasiliensis? Esta pergunta, que é objeto central de interesse da política e dos negócios, merece uma reflexão diferente da que fazem os pesquisadores, que concentram sua atenção sobre aspectos de sexo, idade, renda e classe social. A melhor resposta pode ser dada pela leitura de alguns ensaios clássicos de antropologia e sociologia, entre os quais os produzidos por Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, J. O. de Meira Penna, em seu vigoroso Em Berço Esplêndido, ou Roberto DaMatta, em Carnavais, Malandros e Heróis e O que faz o Brasil, Brasil, para citar apenas três contemporâneos analistas da alma brasileira. Cito, ainda, Sérgio Buarque de Holanda, com seu Raízes do Brasil, um clássico da historiografia brasileira e uma obra basilar de estudos sociológicos. Um corte diagonal sobre o caráter nacional pode ser a pista para se desvendar os traços psicológicos do brasileiro que escolhe seus mandatários. Antes, há de se fazer a ressalva de que milhões de pessoas estarão fora do traçado sociopsicológico aqui descrito, porque incorporam heranças culturais de outros povos. A racionalidade dominante na cultura anglo-saxã, por exemplo, contrapõe-se à emotividade e ao arcabouço criativo-festivo que influencia comportamentos, ações e decisões do homem dos trópicos. Para o anglo-saxão, não existe mais ou menos. É: sim, sim, não, não. A tipologia humana essencialmente brasileira se rege por um alfabeto nítido que começa com a parte mais visível, que é a cor da pele. Os morenos e os pardos, que carregam a mistura do sangue do branco colonizador, do negro e do indígena, são a própria expressão da índole do nosso povo. Que aprecia responder as questões que lhe são expostas com o jogo do "depende, do mais ou menos". Quantas horas trabalha por semana? Mais ou menos 40 horas. É religioso? Sou católico, mas não praticante. Ou, ainda: sou ateu, graças a Deus. A tendência de querer ficar no meio termo ainda é reforçada pela condição de contemporizador, que transparece nas frequentes locuções "deixar estar para ver como fica", "deixa pra lá", "fulano está empurrando com a barriga". Não por acaso, é assim empurrando que os governantes conseguem adiar coisas importantes, como a reforma tributária (só agora em vias de aprovação), a reforma política, a reforma do Estado, entre outros projetos prioritários. Vejam a questão do voto. Milhões decidem escolher seus candidatos apenas nas últimas semanas de campanha. Traços de incerteza e dubiedade caracterizam o perfil do eleitor, fruto, aliás, da improvisação que permeia comportamentos. Há nisso alguma indicação de displicência? Sem dúvida, e este é outro matiz do nosso perfil. As decisões, que identificam uma forte cultura de protelação, são deixadas para a última hora, na esteira de um comportamento que se identifica com um misto de lerdeza e negligência, despreocupação e negação de critérios de prioridade. Cultivamos a cultura do desleixo. Quem não tem na ponta da língua exemplos de obras mal construídas, trabalhos malfeitos, acabamentos defeituosos, sujeiras nos lugares públicos? O brasileiro é imediatista. Tem prazer pelas coisas que lhe trazem conforto ou benefício imediato. Daí não se interessar pela macropolítica, a política dos grandes projetos, das grandes obras que gerarão efeitos benéficos no longo prazo. Mas é exigente em relação às coisas de seu cotidiano: a escola perto da casa, o transporte fácil, a segurança na rua, a comida barata, o emprego perto de casa. A incerteza, traço cultural do caráter nacional, é visível nas mudanças de posição das pessoas. Argumentos fortes acabam derrubando convicções não estruturadas. Percebe-se que o interlocutor se motiva pela simpatia e empatia que políticos refletem. "Ah, todos os políticos são ladrões", ouve-se aqui e acolá. Mas os tais ladrões acabam conquistando eleitores. Deus carimbou alguns povos com tintas muito acentuadas. Diz-se que aos gregos concedeu o amor à ciência; aos povos asiáticos, o espírito combativo; nos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. Aos brasileiros, Deus deu a capacidade de improvisar mais que outras gentes. Não é de todo arriscada a inferência de que a pessoa que defende de maneira rígida uma posição acaba mudando de ponto de vista, se essa mudança fizer bem ao bolso. O brasileiro não garante aquilo que promete. Um infiel de ideários. (*) Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

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