"Sou professora há 20 anos e vi que meus alunos negros tinham muito problema de autoestima e autoimagem, porque ainda tinham como referencial a história negra a partir da escravidão. Então, comecei a apresentar a eles a história negra que vem diretamente dos tronos africanos. E aí, comecei a confeccionar materiais e as pessoas passaram a se interessar e a querer adquirir. Comecei a fazer curso de papelaria e a fazer toda a linha de material afrocentrada."
Segundo a proprietária, a papelaria é a primeira "afroafetiva e combativa" de que se tem notícia. "Não vai trazer só a imagem negra, mas, dentro do caderno, traz a história negra, como um livro. A gente sabe que um livro é muito caro, mas material escolar é acessível. Então, desde o lápis você tem uma história, o marca-página, os jogos pedagógicos e os cadernos", destaca.
Mulher retinta, a carioca Taís Baptista também está participando da edição nacional do evento e conta que empreender sempre foi um desafio, desde que decidiu que seria seu propósito, em 2016, quando a ideia se manifestou durante seu sono, em um sonho. E continua até hoje. Moradora do Morro do Chá, em Santa Cruz, Rio de Janeiro, ela é, atualmente, sócio-fundadora da Preta Pôrter, marca de produtos para cabelos cacheados e crespos.
Segundo a empresária, um dos fatores que serviram de injeção de ânimo foi conhecer pessoas dispostas a apostar em seu projeto de vida e com biografias semelhantes à dela. Formada em letras - português-francês - ela foi estudar na França, após ganhar uma bolsa e complementar o dinheiro das despesas com uma vaquinha, algo impensável para muita gente de mesma origem, já que ela é filha de empregada doméstica e também uma mulher negra de pele escura.
Na França, Taís teve contato com produtos específicos para cabelos de pessoas negras, o que a fez indagar o motivo de não haver no Brasil, na época, o mesmo interesse por parte da indústria de cosméticos.
"Comecei com revenda, em 2016. Em 2020, comecei a trabalhar remotamente e me vi com um tempo que nunca tive na vida, o que oxigenou meu cérebro. Então, sonhei que era dona de uma linha de cosméticos. Sonhei até com o rótulo que está aqui. Sentei na cama e disse: como é que faço isso?", relembra.
"Comecei a fazer parceria com fábricas. Em um ano, foi um produto e, em dois anos, cinco produtos, todos idealizados por mim. No início, durante muito tempo, me sentia presa, depois passei a procurar pessoas que tivessem sinergia comigo. Entrou minha primeira sócia, Daniele Cantanhede, que faz a parte administrativa e operacional, e agora recebemos mais um sócio, que é nosso investidor-anjo, Henrique Mendes."
Também negra, Chica Rosa tem uma trajetória que se distingue bastante. A ideia de vender peças de vestuário e acessórios feitos com lacres de latinha de metal surgiu quando viu uma criança cortar o pé com um deles, durante uma visita que ela fez a uma comunidade de Riacho Fundo, no Distrito Federal, que recebia ajuda da pastoral que integrava.
A Cia do Lacre, que completou 26 anos, é composta hoje por cerca de 35 artesãs e já capacitou cerca de 5 mil pessoas, tendo firmado parceria com o Ministério Público, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Ministério da Cultura.
Além disso, a companhia abriu cantinho na feira da Torre da TV, em Brasília, já esteve em passarelas de desfiles de moda, levou Chica Rosa à Itália a trabalho, e permitiu fechar contrato com um representante dos Estados Unidos, para quem exporta os produtos.
Contudo, o projeto concebido por ela também trouxe outros benefícios, não menos importantes. Conforme Adriane Piau, uma das artesãs, produzir peças para a Cia do Lacre ocupou a cabeça de muitas mulheres que enfrentavam fases difíceis, como uma companheira que entrou em depressão após a morte da irmã. "E, com a renda, já conseguiram muitas outras coisas", ressalta.
"As mais antigas é que fazem as peças de roupa, já que é algo mais difícil", destaca, como um colete que leva cerca de 36 horas para ficar pronto e 3,6 mil lacres.
Para Chica Rosa, o principal objetivo - que a tem puxado para frente - é "transformar vidas e a natureza".
"O lacre fez a diferença, foi um passaporte para as pessoas acreditarem que a gente pode inovar, renascer, crescer, cooperar, reciclar e a gente pode transformar. Como você vê, tudo aqui tem uma responsabilidade socioambiental. É da natureza ao humano, do humano à natureza."
Fonte: Agência Brasil