O fotojornalista Evandro Teixeira na exposição "Evandro Teixeira. Chile, 1973", no Brasil - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Para Evandro, a exposição Fotoperiodismo y dictadura: Brasil 1964 / Chile 1973 é uma defesa apaixonada da democracia. "As minhas fotografias apresentadas na exposição eternizam um capítulo tenebroso da história do Brasil e do Chile. Mas, ao contar essa história, conseguimos renovar a necessária memória sobre o que é, de fato, uma ditadura e seus horrores. Minha forma de enfrentamento à ditadura sempre foi através das minhas fotografias. E para eu conseguir os cliques, a minha atitude precisava ser discreta e esperta. Eu evitava o confronto direto, fingia seguir as regras, tudo para conseguir as imagens que queria. Minha arma contra a ditadura foi a minha Leica M3", afirmou o profissional das lentes.
Sobre a cobertura no Chile, Evando explicou que não chegou ao país no dia 11 de setembro, porque ficou detido na fronteira com a Argentina durante três dias, junto com jornalistas internacionais. "Ninguém podia entrar no Chile. Eu carregava um laboratório portátil comigo e, assim, pude enviar a foto da fronteira fechada para o Jornal do Brasil. Depois de três dias, peguei carona em um avião da Cruz Vermelha Brasileira que saía de Buenos Aires até Santiago do Chile. Chegando na capital chilena, fiquei hospedado no Hotel Carrera, em frente ao Palacio La Moneda".
Neruda
No terraço do hotel, Evandro soube que Pablo Neruda estava sendo transferido da Isla Negra para a Clinica Santa Maria. "Fui para o hospital, consegui a confirmação do diretor sobre a internação do poeta, mas ele não me autorizou ir até o quarto. Às 22h, liguei para o hospital e soube pelo diretor que Neruda havia falecido minutos antes. Na manhã seguinte, assim que acabou o toque de recolher, parti para a clínica, decidido a conseguir fazer uma foto do Neruda. Claro que ninguém podia entrar, a clínica estava cercada de soldados. E eu com a minha Leica, de novo escondida debaixo da camisa, e com filmes no bolso, justamente para não carregar aquela bolsa que identificava mais facilmente os fotojornalistas. Só pensava em como fazer para entrar, enquanto circulava em torno do prédio da clínica. Eis que, de repente, uma porta estreita em uma lateral se abriu e eu não pensei duas vezes, simplesmente entrei e já fiz a primeira foto ao me deparar com o corpo de Neruda numa maca ao lado da viúva Matilde."
Após fazer o primeiro fotograma, Evandro se dirigiu a Matilde, identificando-se como fotógrafo brasileiro amigo do escritor Jorge Amado, com quem Neruda tinha laços estreitos. "Ela, assustada, me respondeu de pronto: "Meu filho, sua presença aqui é muito importante, fique conosco".
Claro que a importância não era do Evandro, e sim, de um fotojornalista estrangeiro registrando tudo o que estava acontecendo ali dentro. E assim seguimos sendo eu o único fotojornalista fazendo todo o registro da preparação do corpo dentro da clínica e, depois, do seu traslado para La Chascona, no carro junto com Dona Matilde. O nosso carro seguia o da funerária que transportava o corpo de Neruda.
A todo tempo eu me perguntava: estou sozinho aqui, a história acontecendo na minha frente e eu sendo o único fotojornalista a registrar isso? Chegando na casa, fomos surpreendidos com um cenário desolador. Aquele riacho que havia antes tornara-se um rio, porque os soldados quebraram a represa do alto do terreno, e precisamos improvisar uma ponte de madeira para passagem do corpo e das pessoas até a casa. Dentro do imóvel, tudo destruído, e foi nesse ambiente que aconteceu o velório com poucos amigos e ainda sem ninguém da imprensa, apenas eu".
Evandro lembra que, no dia seguinte, pela manhã, a comitiva se dirigiu ao cemitério, onde começou a juntar uma multidão e toda a imprensa, à medida em que a notícia do enterro foi sendo divulgada. "O Exército acompanhou todo o trajeto e cercou o cemitério, o temor de um massacre ali era enorme, mas acredito que não tenha acontecido pela presença maciça da imprensa internacional. O momento do enterro foi de forte emoção também e eu não consegui mais segurar as lágrimas. Mas elas não me impediram de seguir fotografando, porque sabia da importância histórica daquele momento".
Exposição "Evandro Teixeira. Chile, 1973" foi apresentada também no Centro Cultural Banco do Brasil. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Nos porões da ditadura
O depoimento de Evandro Teixeira foi distribuído por sua filha Carina Almeida. Sobre o registro exclusivo dos presos no porão do Estádio Nacional, Evandro relata que a imprensa internacional questionou os militares chilenos sobre tortura e maus tratos dos presos políticos.
"Os militares, então, convidaram a imprensa a ir ao Estádio Nacional para refutar o questionamento. No dia seguinte, nos enviaram em um ônibus fretado até o Estádio Nacional. Chegando lá, os militares discursaram e nos apresentaram a um grupo de presos nas arquibancadas, que estavam supostamente sendo bem tratados. Porém, eu conhecia o Estádio Nacional na palma da mão, porque havia coberto lá a Copa do Mundo de Futebol, realizada anos antes no Chile"
Evandro então se separou do grupo e andou pelo Estádio por alguns minutos com a Leica escondida no colete. "Mirei a escada que dava nos vestiários no subsolo e desci. Lá me deparei com os verdadeiros presos políticos no porão. Alguns atrás de grades, outros sendo revistados com rosto para parede, outros sendo empurrados com violência para uma outra sala. Só tive tempo de registrar alguns cliques e subir a escada. Foi chocante ver essa realidade. Cheguei ao hotel, não conseguia ligação para o Brasil, e apenas uma única foto eu consegui transmitir pela tele-foto. E essa foto mostrando os presos atrás das grades foi publicada no Jornal do Brasil na primeira página, jogando por terra a farsa montada pelo governo Pinochet no Estádio Nacional".
Parceria
A ida da mostra de fotos de Teixeira a Santiago resulta de parceria entre o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Cultura e o Instituto Moreira Salles. Para o embaixador do Brasil no Chile, Paulo Roberto Soares Pacheco, a exposição registra ˜de maneira original e, ao mesmo tempo, pungente, os vínculos entre as rupturas democráticas no Brasil e no Chile, bem como a importância dos laços interpessoais nessa situação limite, como prova da resistência das respectivas sociedades".
Essa é considerada a maior atividade promovida pelo governo brasileiro nas comemorações dos 50 anos do golpe de estado de 1973, no Chile. Evandro viajou ao país em setembro de 1973, no dia seguinte ao golpe militar do dia 11, que levou à morte do presidente eleito Salvador Allende. O fotógrafo foi como correspondente do Jornal do Brasil, acompanhado pelo repórter Paulo Cesar de Araújo.
A exposição ficará aberta de 10 de setembro a 15 de outubro, com visitação franqueada ao público de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. (Alana Gandra)
Agência Brasil