Coragem
Quais suas superstições de Ano Novo? Todo mundo tem.
Quais suas superstições de Ano Novo? Todo mundo tem. Desde as mais corriqueiras, como se vestir de branco, amarelo ou outras cores, comer romãs, tâmaras e lentilhas, até algumas mais sofisticadas e charmosas. Esses dias, num desses programas da tarde, eu estava me divertindo com um sensitivo que dava todas as orientações para o ano que acabou de nascer. Era tanta coisa que a gente precisa comer, e colocar as sementes na carteira, que a gente precisa usar uma pochete! E as cores, então? E vocês sabiam que dá pra "pular ondas" no chuveiro ou na bacia? Quem não tem praia tem bacia! Pelo sim, pelo não, minha casa está toda decorada com flores amarelas, e eu comi uvas, tâmaras, damascos e lentilhas! Mas eu tenho uma superstição super séria. Essa eu cumpro à risca! Todo fim de ano, entre o final de dezembro até o começo de janeiro, eu adoro tomar chuva. Não vale qualquer garoinha, tem de ser daquelas que o céu preteja, como dizem lá na minha terra, em Jacareí! Meu pai, de memória extremamente abençoada, me ensinou. Tenho a desconfiança de que era um jeito das crianças aprenderem brincando a ter coragem. O céu ia ganhando aqueles tons de chumbo e a roncar alto, e a gente, eu e meus irmãos, já se ouriçava. Minha mãe se preocupava, como sempre, mas sabia que não tinha muito jeito. No fim, ela entrava na dança. E a chuva caia, então! Era água, vento, refresco, bagunça! A chuva, depois ele explicava, tirava nossas impurezas, tudinho de que a gente não precisa, limpa o corpo e a alma! Quando o Altíssimo mandou Abraão ir, ele foi! Era exatamente isso. Buscar o melhor de si mesmo! Atravessar seus próprios desertos! Remar até a terceira margem do rio "eu", já escrevia o Guimarães Rosa! Coragem para ir, para fazer, para buscar! Limpos, purificados, despidos das ruindades do ano que terminou. E Abraão ganhou Isaque, aquele riso da realização. Essa brincadeira da chuva sempre terminava em riso! Da Coragem nasce o sorriso! Esses dias, eu fui almoçar na casa de minha sogra. Na volta, vínhamos minha esposa e eu pela rua quando desabou o mundo! Dentro do guarda-chuva molhava quase tanto quanto fora. Foi quando ouvi o voz: vai! Acho que o ouvi desde aquela eternidade oriental. E eu fui... saí do abrigo e fui caminhando por aquele dilúvio. Quando cheguei no meu prédio, eu estava igual um pinto molhado, diriam. Olhei pro pessoal e falei: "É... terra da garoa, né?". Risada geral. Coragem e Riso! O ano está brotando! Que nesses tempos a gente tenha coragem para fazer, para construir, para trabalhar, para desenvolver e multiplicar nossos melhores talentos! Acima de tudo, vamos ter a coragem de sorrir! (*) André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
Fonte: Campo grande News