Com seca do Rio Paraguai, dique e casa suspensa viram memórias de grandes cheias
Enquanto Porto Murtinho testemunha crescimento com a Rota Bioceânica, que vai "ligar" os oceanos Atlântico e Pacífico, o Rio Paraguai, que banha a cidade de 112 anos, vai em sentido contrário: acumula anos e anos de seca, num ciclo que vem desde 2019.
Enquanto Porto Murtinho testemunha crescimento com a Rota Bioceânica, que vai "ligar" os oceanos Atlântico e Pacífico, o Rio Paraguai, que banha a cidade de 112 anos, vai em sentido contrário: acumula anos e anos de seca, num ciclo que vem desde 2019. Basta olhar a paisagem para ver que o rio sofreu mudanças drásticas. Neste ano, o nível chegou a indicar "- 68 centímetros", menor índice em 124 anos de monitoramento. A brasileira Porto Murtinho é cercada por um dique para se proteger das águas. Mas o rio segue distante da estrutura. Na paraguaia Isla Margarita, que fica de frente para Mato Grosso do Sul, as casas são suspensas mesmo muito distante do rio. A explicação é de que o modelo de construção elevado era uma necessidade arquitetônica para vencer a cheia. Na nova orla de Porto Murtinho, obra de quase R$ 3 milhões, há uma arquibancada em frente ao corpo hídrico. A ideia era de quem chegasse ao último degrau refrescasse os pés nas águas, mas o rio passa longe da estrutura. Em 5 de dezembro, quando a reportagem esteve na cidade, o Rio Paraguai tinha 1,24 metro, conforme a medição divulgada pela Marinha. Se a visita fosse em 5 de dezembro de 2018, o rio estaria bem mais alto: 5, 58 metros. Nesta quarta-feira (11), o corpo hídrico tem 1, 45 metro. Mas a recuperação depende de muita chuva diante do deficit de precipitação registrado ano a ano. Águas da vida - Além de bonito, o Rio Paraguai é essencial para o turismo, principal atividade econômica da região. São dessas águas que dependem donos e funcionários de pousadas, trabalhadores de restaurantes e lojas, piloteiros dos pequenos barcos e equipes das grandes embarcações. De janeiro a outubro deste ano, Porto Murtinho recebeu dez mil visitantes. "Estamos trabalhando bastante para ver se conseguimos implantar o turismo sustentável, ou seja, o pesque e solte. Mas, tradicionalmente, o turista que vem aqui prefere levar o peixe. Então, é uma dificuldade grande, ainda mais para nós, porque aqui é um rio internacional", afirma o secretário de Turismo, Cultura e Desenvolvimento Local, Paulo Francisco Carvalho. Ele explica que a proibição da pesca para a reprodução dos peixes é no mesmo período em Mato Grosso do Sul e no Paraguai, mas a fiscalização é diferente. O Brasil tem mais estrutura para coibir irregularidades. Quando o rio está alto, a economia vai bem. "Quando o rio está alto, o armazém exporta, tem muito fluxo de caminhão. Muitas pessoas antigas dizem que o Pantanal é de ciclos. Então, isso é um ciclo que está acontecendo e a gente acredita, fielmente, que isso vai voltar à normalidade. E se você for observar, essa realidade de seca é no Brasil todo", diz o secretário. Por enquanto, a boa notícia foi o visível aumento da população de dourados, espécie que teve a pesca proibida. "A população de dourado no rio aumentou significativamente. Eles saem do Rio Paraguai para desovar nos rios estaduais", destaca Paulo. Após Porto Murtinho ser atingida por duas inundações, nos anos de 1979 e 1982, foi construído um dique cercando a cidade. A obra ficou pronta em 1985, passando pela maior prova em 1988, quando o rio marcou 9,89 metros. "Com uma extensão de aproximadamente 10km, Porto Murtinho é a única cidade brasileira dentro de uma área com essa característica", detalha o estudo "Apontamentos sobre o Corredor Bioceânico Brasil-Norte do Chile: Economia, Logística, Direito, História e Turismo", diagnóstico elaborado pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Falta chuva e sobra onda de calor - De acordo com o pesquisador em Geociências do Serviço Geológico do Brasil, Marcus Suassuna, os ciclos na bacia do Rio Paraguai de longo prazo (seca ou cheia) aparecem no registro histórico, principalmente a partir de 1960. "De 1962 até 1973, um período prolongado de secas, depois um ciclo muito longo de quase sem nenhuma seca, de 1973 até 2019. Esse processo de oscilação de longo prazo acontece em algumas séries históricas e também é o caso da bacia do Rio Paraguai. Essa questão está relacionada às chuvas", diz Suassuna. Alguns fatores contribuem para a crise no Rio Paraguai, como a redução da chuva e, em menor magnitude, o aumento da temperatura. "Nos últimos cinco anos foram muitas ondas de calor que aconteceram na região, isso acaba aumentando o processo de perda de água para a evapotranspiração. Esse aumento da perda também contribui com esses níveis muito baixos de vazão na bacia", afirma o pesquisador. A ANA (Agência Nacional de Águas) prorrogou a declaração de escassez hídrica na Bacia do Rio Paraguai até 31 de janeiro de 2025. A situação persistiu durante todo 2024. E o futuro do Rio Paraguai? – Conforme Marcus Suassuna, o processo de recuperação do Rio Paraguai não é fácil e não é simples. "Precisaria de uma chuva bem acima do normal para que isso acontecesse. Isso não é o esperado, então nós acompanhamos. Nós temos alguns números que indicam que se chover cerca de 20% acima da média, conseguimos compensar o deficit do ano anterior. Dessa forma, precisaria compensar esse deficit para que, de um ano para o outro, observássemos uma recuperação", avalia o pesquisador. Caso não venha muita chuva, a recuperação deve ser gradual, ao longo dos anos. "Não vislumbramos a recuperação rápida, por exemplo, para o ano que vem, a não ser que esse ano chova muito acima da média, o que não é o esperado e também não é o que está acontecendo nesses primeiros dois meses da estação chuvosa, que é outubro, novembro e dezembro", diz Suassuna. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .
Fonte: Campo grande News